Decisão: Professora consegue redução de carga horária para cuidar de filho com transtorno do espectro autista (TEA) sem redução de salário e sem compensação de horário.
Ao analisar, a questão o magistrado deu razão à servidora. Vejamos:
Trata-se de
ação de obrigação de fazer, com pedido de tutela de urgência, na qual alega a
autora, em síntese, que é funcionária pública municipal, ocupante dos cargos de
professora de educação básica, PEB I e PEB II. Aduz que possui dois filhos
diagnosticados com autismo, os quais necessitam de cuidados especiais. Alega,
ainda, que protocolou junto à Administração municipal pedido de horário
especial de trabalho, o qual foi deferido, com a redução de 05 (cinco) horas
semanais para o cargo de PEB I e redução de 06 (seis) horas semanais para o
cargo de PEB II, notadamente, as horas HAI (hora de atendimento individual) e
HAC (hora de atendimento coletivo), isto é, as aulas em que a professora não se
encontra com os alunos em sala de aula. Entretanto, a municipalidade ré
entendeu que a autora deve compensar o horário. Assim, pretende a autora a
redução de sua jornada de trabalho, na forma como já deferida, contudo, sem
redução proporcional de seus vencimentos e sem a necessidade de reposição
futura.
A tutela de
urgência foi indeferida (pág. 115).
A requerida
ofertou contestação sustentando, em suma, que a condicionante de compensação de
horário está prevista em lei municipal e que, no caso, torna-se indispensável a
compensação em razão do horário especial de saída, pois a autora já cumpre
quase 19% (dezenove por cento) de sua jornada semanal em local de sua livre
escolha, ou seja, fora da sala de aula. Assim, segundo alega a ré, a concessão
de outras 11 (onze) horas (5+6) sem a devida compensação, como requer a autora,
acarretaria na sua ausência das salas de aula em 23 (vinte e três) horas
semanais, o que não se pode admitir. Pugnou pela improcedência.
O feito
comporta julgamento no estado em que se encontra, prescindindo de dilação
probatória, nos termos do artigo 355, inciso I, do NCPC.
Já decidiu o
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que "a necessidade da produção de prova há de
ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em
cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão
suficientemente líquidos para embasar o convencimento do Magistrado" (RE
101.171-8-SP).
A ação é
parcialmente procedente.
Restou
incontroverso nos autos que a requerente possui dois filhos com necessidades
especiais. Com efeito, a condição de saúde dos filhos da requerente, encontra
robusto respaldo probatório nos documentos acostados com a inicial.
Tanto é
verdade que a autora teve deferido seu requerimento administrativo de
prorrogação do horário especial de trabalho, contudo, com a condicionante de
compensação de horas (págs. 175/177).
A
controvérsia, portanto, gira em torno da possibilidade da redução da jornada de
trabalho da autora, nos moldes pretendidos, ou seja, sem a necessidade de
reposição futura/compensação de horas.
Considerada
a peculiaridade do caso em exame e as deficiências de que padecem os filhos da
requerente, tem-se que o núcleo familiar está a merecer especial proteção do
Estado (artigo 226, "caput", da CF/88).
Embora a
legislação municipal não preveja a possibilidade de redução de horas, sem
necessidade de compensação, para servidores que possuam filhos com deficiência,
o caso comporta a observância dos dispositivos constitucionais protetivos da
pessoa com deficiência.
Sob esse
prisma, na esfera administrativa federal, o art. 98 da Lei 8.112/90, aplicável
por analogia à hipótese sub judice, autorizava horário especial para o servidor
portador de deficiência física, sem compensação (§ 2º), ainda que, no que tange
ao servidor com filho portador de deficiência física, expressamente,
subordinasse o horário especial à condição de haver compensação de horário (§
3º).
A
exigência de compensação, entretanto, já vinha sendo afastada pela
jurisprudência.
Com a
aprovação da Lei Federal nº 13.370/16, o Legislativo Federal jogou uma pá de
cal sobre a discussão, ampliando o horário especial sem compensação de jornada
já garantido ao servidor com deficiência ao servidor público federal que tenha
cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física.
Diante de
tal arcabouço, é de se reconhecer o direito pleiteado pela servidora, como
parte da efetivação integral do direito à saúde e da proteção jurídica dos
portadores de deficiência mental.
Ademais,
considerando-se a carga horária da autora, já com as reduções, bem como as
necessidades especiais de que padecem seus filhos, não é mesmo o caso de se
exigir compensação de horas.
Com efeito,
segundo informado pela própria municipalidade ré, a carga horária semanal de
trabalho da autora, considerando-se os dois cargos (PEB I e II) é de 65 horas
semanais (pág. 139). Isso significa que, computando-se as 12 horas de jornada
semanal desenvolvida em local de livre escolha, juntamente com as 11 horas de redução
ora pretendida, tem-se um total de 23 horas de trabalho semanal fora das salas
de aula. Segundo a requerida, seria demasiado tempo de serviço fora da sala de
aula. Contudo, considerando-se que a jornada semanal da autora, nos dois
cargos, é de 65 horas, ela ainda permanecerá com 42 (quarenta e duas horas)
semanais em sala de aula, o que se mostra suficiente, tendo em vista a
realidade de cuidados com os filhos à qual a requerente é submetida.
Note-se que
a redução da carga horária da autora, da forma como pretendida (11h semanais),
equivale a menos de 20% (vinte por cento) de redução da sua jornada, vez que
eventual redução de 20% corresponderia a 13 (treze) horas.
No caso, a
redução de 11h semanais equivale a 16,92% de redução
jornada de
trabalho.
Por outro
lado, considerando-se que a cada ano muda a carga horária
de trabalho
semanal, bem como que compete à Coordenação/Direção fazer a adequação
decorrente da redução (se em diminuição de salas de aula, se em HAI, HAC,
etc.), o ideal é que a redução ora pretendida seja fixada em percentual, a fim
de que este possa ser utilizado todos os anos.
Repiso que o
argumento da requerida, no sentido de que inexiste amparo legal para a redução
da jornada de trabalho da forma como pretendida na inicial não convence, vez
que o caso comporta a observância dos dispositivos constitucionais protetivos
da pessoa com deficiência.
O
dispositivo legal local há de ser interpretado, portanto, em conformidade com
os princípios constitucionais protetivos das pessoas com deficiência, em
especial o artigo 227, §2º, da CF/88, que constitui vetor de interpretação e
aplicação da legislação infraconstitucional.
Na hipótese,
contudo, a redução da jornada de trabalho da autora, sem redução de vencimentos
e sem necessidade de compensação, deve ser fixada no percentual de 16,92%,
ficando a critério da Administração decidir onde se aplicará a redução, nos
termos da fundamentação supra.
O pedido foi
julgado procedente para o fim de condenar a requerida na obrigação de fazer
consistente em promover o necessário para reduzir a jornada de trabalho da
autora em 16,92%, sem prejuízo dos vencimentos que lhe são devidos e sem
necessidade de compensação e/ou descontos, tendo em vista as necessidades
especiais de que padecem seus filhos. A decisão foi confirmada em todas
instâncias e foi patrocinado pela Dra. Cristiana Marques especialista em Concurso
Público e Servidor Público.
Processo: 1001984-14.2022.8.26.0266
Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo
Clique
aqui e entre em contato via WhatsApp.
#Defesadosseusdireitos #ConcursoPúblico #Edital
#ReprovaçãoExameMédico #portadoresdedeficiência #MandadodeSegurança #Advogado #TEA
#filho #ReduçãodeCargaHorária #AdvogadoEspecialistaConcursoPúblico
#CristianaMarquesAdvocacia
Comentários
Postar um comentário