Candidato consegue tomar posse em cargo que foi considerado inapto para o exercício, mesmo após aprovação em todas as fases do concurso, por ser portador de visão monocular.
Trata-se de ação anulatória de ato administrativo
ajuizada por candidato em face do Estado de São Paulo, para o fim de obter o
reconhecimento de nulidade do ato administrativo pelo foi considerado inapto
para o exercício do cargo de para Agente da Polícia Civil, mesmo após aprovação
em todas as fases do concurso, por ser portador de visão monocular.
Conforme r. sentença de fls. 197/200, o pedido foi
julgado procedente para reconhecer a ilegalidade e nulidade do ato
administrativo responsável pela exclusão do autor do certame e reconhecer a sua
aprovação definitiva no concurso, com a condenação do requerido ao pagamento
das custas e despesas processuais, mais honorários advocatícios fixados em 10%
do valor da causa.
Inconformado, apela o Estado e pugna pela reforma do
julgamento.
Sustenta, em síntese, que o requerente, quando da
publicação do Edital de Abertura e de Rerratificação no Diário Oficial do
Estado, tomou conhecimento integral da legislação que regia o concurso,
inclusive da Lei Complementar nº 683/92, que consta do preâmbulo, bem como das
fases e das condições do certame, no que concerne aos candidatos às vagas
reservadas para portadores de deficiência. Alega que foi constatado mediante
perícia técnica realizada por junta médica do órgão oficial do Estado que a
deficiência do autor (visão monocular) é incompatível com as atribuições do
cargo policial, já que além das atribuições do cargo especificadas no Edital de
abertura, as carreiras policiais civis ostentam outras atribuições decorrentes
da particular natureza da função policial, tais como portar arma de fogo, ter
capacidade de manusear armas, utilizar algemas, dirigir viaturas policiais
praticando direção ofensiva e defensiva, agir em locais de pouca luminosidade e
etc. Assevera, assim, que esse é o entendimento que deve prevalecer, pois
embasado em perícia realizada à época do concurso, quando o candidato foi
considerado inapto, sendo irrelevante a verificação da sua atual situação
clínica (fls. 205/211).
Houve resposta (fls. 216/233). É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade,
conheço do recurso e lhe nego provimento.
Ao que consta dos autos, o Estado de São Paulo
promoveu concurso público através do Edital Processo DGP 5298/16 para o
provimento de cargos de Agente Policial, para o qual o autor concorreu na
condição de pessoa com deficiência, sendo aprovado em todas as fases do
concurso. Contudo, submetido a perícia médica pelo DPME, o autor foi eliminado
do certame, sob o fundamento de que sua condição física se revela incompatível
com o exercício das atribuições do referido cargo (fls. 32/34).
Com efeito, não se pode perder de vista
que a Constituição Federal estabelece que “a lei reservará percentual dos
cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá
os critérios de sua admissão” (art. 37, VIII).
Essa reserva de vagas se justifica para assegurar às
pessoas com deficiência o efetivo acesso ao mercado de trabalho no serviço
público, em observância aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa
humana.
Assim, as regras do edital do concurso público não
podem ser compreendidas em prejuízo do candidato deficiente, à luz das normas
constitucionais e infraconstitucionais que dispõem sobre o tema, cujo objetivo
primordial é possibilitar a inclusão da pessoa com deficiência e a concorrência
destas em igualdade de condições, na medida de suas desigualdades.
No caso concreto, o edital realmente prevê que o
candidato deficiente aprovado no concurso deve se submeter à perícia médica
para verificação da compatibilidade de sua condição física com o exercício das
atribuições do cargo, nos termos do artigo 3º da Lei Complementar nº 683/92
(item 5.12 fl. 48).
Porém, é evidente que essa apuração não pode ser
conduzida de modo a identificar no candidato deficiente a capacidade plena de
exercício sem restrição de todas as atribuições do cargo, ou seja, com os mesmos
critérios de avaliação dos demais candidatos.
Conforme já dito, em obediência ao princípio da
isonomia, os candidatos deficientes concorrem em igualdade de condições, mas na
medida de suas desigualdades.
Na verdade, as limitações ao desenvolvimento pleno
de algumas atribuições da função pública devem ser compreendidas como condição
inerente à pessoa com deficiência.
Nos termos do que dispõe o Estatuto da Pessoa com
Deficiência: “Considera-se pessoa com deficiência
aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas” (art. 2º).
Já segundo a Súmula nº 377 do Colendo Superior
Tribunal de Justiça, aplicável ao presente caso, “O portador de visão monocular
tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos
deficientes”.
Desse modo, a necessidade de adaptação da função a
ser desempenhada pelo candidato com deficiência ou mesmo a aparente
impossibilidade
de execução de algumas atribuições identificadas ao
final do certame no exame admissional, após todas as demais etapas, não podem
obstar o ingresso no serviço público.
Além disso, é importante mencionar o entendimento
sedimentado pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça de que eventuais
incompatibilidades entre a deficiência do candidato e as atribuições do cargo
público devem ser objeto de análise oportuna por equipe multidisciplinar,
durante o período de estágio probatório.
Ou seja: “Nos termos da jurisprudência do STJ,
em julgamento de processos análogos que procederam ao exame do disposto na Lei
7.853/1989 e no Decreto 3.298/1999, deve-se observar a obrigatoriedade do Poder
Público de assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de
seus direitos. Inclui-se a adoção de ações que propiciem sua inserção no
serviço público, assegurando-se ao candidato aprovado em vaga destinada aos
portadores de deficiência física que o exame da compatibilidade ocorra no
desempenho das atribuições do cargo, durante o estágio probatório, e seja
realizada por equipe multiprofissional. A proteção legal conferida a essa
categoria de vulneráveis não é apenas retórica, o que faz com que, sobretudo na
hipótese dos autos em que a vaga destina-se a apoio administrativo, a exclusão
prévia do candidato mostre-se descabida” (REsp 1777802/PE, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 22/04/2019).
Sendo assim, a apuração realizada na esfera
administrativa pela equipe médica a indicar que o autor não está apto a
praticar algumas atribuições e atividades inerentes ao cargo por possuir visão
monocular (fls. 32/39) não pode ser admitida para justificar, desde já, a sua
eliminação no concurso público.
Nesse sentido, já se pronunciou esta Egrégia Corte
em casos
semelhantes:
APELAÇÃO CÍVEL. Concurso público. Candidato portador
de visão monocular inscrito em certame para provimento do cargo de Agente de
Escolta e Vigilância sob a reserva de cargos para portadores de necessidades
especiais PNE. Perícia médica realizada perante o DPME que, embora tenha
reconhecido a deficiência visual do candidato, o declarou como inapto para o
exercício da função.
Descabimento. Visão monocular sabidamente qualificada
como deficiência para o fim de participação em concurso público. Aplicação da
Súmula nº 377 do STJ. Exclusão que contraria a teleologia normativa de inclusão
da pessoa com deficiência, ferindo o princípio da isonomia, conforme previsão
constitucional. Aferição de incompatibilidade da deficiência apresentada com a
atribuição do cargo que deverá ser realizada após aprovação em concurso,
durante o estágio probatório. Precedentes. Sentença de procedência mantida.
Recurso desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 1003599-20.2018.8.26.0156;
Relator (a): Jose Eduardo Marcondes Machado; Órgão
Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro de Cruzeiro - 2ª Vara Cível; Data
do Julgamento: 07/07/2021; Data de Registro: 07/07/2021)
Ademais, a própria legislação que trata
sobre o uso, posse e porte da arma de fogo não prevê qualquer disposição que
impeça o portador de visão monocular de manusear o armamento.
A esse respeito, vale mencionar que no laudo
pericial realizado nestes autos, por perita de confiança do Juízo, ficou
expressamente destacado que “O Autor possui a comprovação de habilidade técnica
para o manuseio de armas de fogo (Comprovante No 361/2020 de 15/08/2020, cópia
na Pág.117 dos Autos) e comprovação de avaliação psicológica (Expedida pela
Clínica Fenix, psicóloga Maria Aparecida do Nascimento CRP 54346-5 em
31/07/2020, cópia anexada à Pág. 116 dos Autos)” (fl. 153).
Em suma, caracterizada a insubsistência dos
fundamentos que embasaram a inaptidão do autor no exame médico admissional, a
hipótese é mesmo procedência do pedido.
Portanto, decidida corretamente a questão, nada há
que se alterar na
r. sentença.
Por fim, nos termos do disposto no artigo 85, § 11,
do Código de
Processo Civil, considerando o trabalho adicional
nessa fase recursal e atendendo-se aos critérios legais, majoro os honorários
em 1%.
Ante o exposto, pelo meu voto e para os fins acima,
nego provimento ao recurso.
O pedido foi julgado procedente a decisão foi confirmada em todas
instâncias e foi patrocinado pela Dra. Cristiana Marques especialista em
Concurso Público e Servidor Público.
PROCESSO nº 1035962-16.2019.8.26.0224
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