Mais uma vitória! Candidata ao cargo de professora aprovada em vaga reservada para deficiente físico consegue sua posse após Inaptidão no exame admissional
Restou verificada a
compatibilidade da deficiência e as atribuições do cargo. Ao contrário do
alegado pelo réu, o laudo pericial foi categórico no sentido de que tais
sequelas não impedem o exercício do cargo de PEB I.
Vejamos:
Trata-se de
ação de rito ordinário ajuizada por professora em face do Município de Barueri
alegando que em 2018 participou do concurso público para PEB I, na condição de
deficiente físico (portadora de sequelas decorrentes de queimadura) e foi
aprovada, tendo sido nomeada em 2019. Ocorre que foi considerada inapta no
exame admissional, o que considera ilegal, uma vez que a compatibilidade entre
as atribuições do cargo e a deficiência deveria ser avaliada durante o estágio
probatório. Requereu a concessão de tutela provisória para o fim de reinserção
na lista especial e geral de aprovados e, ao final, a procedência da ação para
que possa tomar posse e, durante o estágio probatório, seja analisada a
compatibilidade entre as atribuições do cargo e a sua deficiência.
A ação
foi julgada procedente “para afastar a inaptidão declarada pelo requerido”, com
antecipação dos efeitos da tutela para “determinar ao Município que dê posse à
autora no prazo da lei municipal regente da matéria”.
Pois bem.
Inconteste
nos autos o enquadramento da candidata como portadora de deficiência física,
nos termos do Decreto Federal nº 3.298/99 e nº 5.296/2004.
Ao que
consta, a autora foi vítima de violência doméstica, em 12.07.2009, quando
sofreu queimadura por álcool em face, tronco, abdômen e braços, sendo tratada
por vários anos em setor de queimados.
Em 2018
prestou o concurso de PEB I e obteve a 2ª colocação na lista especial. Porém,
quando nomeada em 2019, fora considerada inapta no exame admissional.
Sustenta o
Município de Barueri, ora apelante, que os servidores investidos no referido
cargo podem atuar no segmento de maternal até o 5º ano do ensino fundamental,
segmento este em que “o uso de membros superiores é de suma importância para o
desenvolvimento das atividades básicas do cargo, como por exemplo: carregar
crianças no colo, atividades que utilizam a lousa para escrita e exercícios em
aulas” (fls. 308). Alega que “estes movimentos, se utilizados com as limitações
existentes, de forma habitual e contínua, provocariam uma deterioração dos
músculos da região da cintura escapular, levando a um desgaste ou possível
rompimento, agravando ainda mais a condição da recorrida e podendo levar a uma
incapacidade total” (fls. 308).
Realizada
perícia médica, constou do exame físico geral e especial (item 3) e da
discussão (item 4) o seguinte:
(...)
Membros superiores: exame físico sem alterações. Movimentação adequada,
hiperextensão e flexão dos membros sem alterações. Sequelas de queimaduras,
tratadas, sem restar danos físicos, somente estéticos.
(...)
constatado que a pericianda foi vítima no passado de acidente por queimadura
que restou sequelas, tratadas em serviço adequado de cirurgia plástica e
atualmente sem nenhuma limitação funcional ou física. Tem movimentação adequada
e ótima dicção.
Em seguida,
concluiu o expert:
“Diante
do exposto conclui-se que:
Há nexo
de causalidade, a periciada está APTA
para suas atividades;
No
momento desta perícia a pericianda não tem nenhuma doença ou sequela que
indiquem inaptidão física;
Há
cicatrizes as quais não demonstram nenhuma incapacidade da autora.
Não há,
nas cópias dos prontuários médicos encaminhadas, documentação médico-legal
objetiva que permita fazer outras considerações.
O IMESC não
realiza vistorias de qualquer natureza e, portanto, não é possível apurar as
causas e condições de quaisquer eventos.”
Em resposta
aos quesitos formulados pela assistente técnica do Município (fls. 237/238),
afirmou o perito que a autora possui lesões físicas decorrentes de queimaduras
em diversas partes do corpo, ocorridas em 2009, com consolidação após 04 anos
do acidente; apontou que há dano estético grave, sem restrições para o
exercício do cargo de professor de educação básica I; e ressaltou que as
limitações apresentadas pela requerente são compatíveis com o pleno exercício
das atribuições do referido cargo, ausente qualquer possibilidade de acarretar
o agravamento ou progressão da deficiência física apresentada (fls. 259).
Com
efeito, restou verificada a compatibilidade da deficiência e as atribuições do
cargo. Ao contrário do alegado pelo réu, o laudo pericial foi categórico no
sentido de que tais sequelas não impedem o exercício do cargo de PEB I,
observadas as peculiaridades das atividades exercidas pelo professor e as
condições especiais de saúde da candidata, pelo que era mesmo despicienda a
complementação
postulada.
Nessa
medida, de rigor afastar a inaptidão da candidata fundada na constatação de
“limitação articular da mandíbula em grau médio e limitação de grau médio e
superior da articulação de ombros” (fls. 269), motivada em mero potencial de
agravamento futuro “com sobrecarga muscular e articular de membros superiores”.
Pertinente a transcrição do entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça no
sentido de que “é incabível a eliminação de candidato considerado inapto em
exame médico em concurso público por motivos de ordens abstrata e genérica,
situadas no campo da probabilidade. Impõe-se que o laudo pericial discorra
especificamente sobre a incompatibilidade da patologia constatada com as
atribuições do cargo público pretendido. (RMS 26.101, Quinta Turma, Rel.
Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 10/09/2009). Fica, portanto, rejeitada a
alegação de cerceamento de defesa.
Cumpre
registrar, ainda, que a autora se formou em pedagogia em 2016 e exerceu
atividades docentes, como faz prova contratos de estágios e fotografias
colacionados à inicial (fls. 21/58).
Ademais,
constou do Edital PMB nº 01/2018
(fls. 67):
5.6. A análise dos aspectos relativos ao potencial
de trabalho do candidato com deficiência obedecerá ao disposto no Decreto
Federal nº 3.298, de 20/12/1999, arts. 43 e 44, conforme especificado a seguir:
5.6.1. A avaliação do potencial de trabalho do
candidato
com deficiência, frente às rotinas do cargo, será realizada pela Prefeitura
Municipal de Barueri, através de equipe multiprofissional do Departamento
Técnico de Medicina e Segurança do Trabalho.
parecer
observando: ato da inscrição;
5.6.2. A equipe multiprofissional emitirá
a) as informações prestadas pelo candidato no
b) a natureza das atribuições e tarefas
essenciais
do cargo a desempenhar;
c) a viabilidade das condições de
acessibilidade e as adequações do ambiente de trabalho na execução das tarefas;
d) a possibilidade de uso, pelo candidato, de
equipamentos ou outros meios que habitualmente utilize; e
e) o CID e outros padrões reconhecidos
nacional e internacionalmente.
5.6.3 A
equipe multiprofissional avaliará a compatibilidade entre as atribuições do
cargo e a deficiência do candidato durante o estágio probatório, cuja
realização se dará durante o período de
03 (três) anos, a contar da data da nomeação do candidato e para tanto deverá
apresentar sempre que solicitado laudos
e exames atualizados.
De fato,
o Decreto nº 3.298/99, que regulamenta a Lei nº 7.853/89 e dispõe sobre a Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, previa em seu
artigo 43, §2º que o exame da compatibilidade entre as atribuições do cargo e a
deficiência do candidato seria realizada por equipe multiprofissional, durante
o estágio probatório. E, em que pese a revogação do referido dispositivo legal
pelo Decreto nº 9.508/2018, é certo que permanece a necessidade de avaliação
por equipe multiprofissional, nos termos do art. 5º do Decreto nº 9.508/20181,
o que sequer se verificou no caso
concreto.
Logo, o
ato de exclusão da servidora do certame, além de irregular, ofende os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Nesse sentido,
a jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça:
CONCURSO
PÚBLICO Agente de Segurança Penitenciária Deficiente auditivo Aprovação Perícia médica Inabilitação Impossibilidade
Incompatibilidade Estágio1 Art. 5º O órgão ou a entidade da administração
pública federal responsável pela realização do concurso público ou do processo
seletivo de que trata a Lei nº 8.745, de 1993 , terá a assistência de equipe
multiprofissional composta por três profissionais capacitados e atuantes nas
áreas das deficiências que o candidato possuir, dentre os quais um deverá ser
médico, e três profissionais da carreira a que concorrerá o candidato.
Parágrafo
único. A equipe multiprofissional emitirá parecer que observará:
I - as informações prestadas pelo
candidato no ato da inscrição no concurso público ou no processo seletivo;
II - a natureza das atribuições e das tarefas
essenciais do cargo, do emprego ou da função a desempenhar;
III - a viabilidade das condições de
acessibilidade e as adequações do ambiente de trabalho na execução das tarefas;
IV - a possibilidade de uso, pelo candidato,
de equipamentos ou de outros meios que utilize de forma habitual; e
V - o resultado da avaliação com base no
disposto no § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 2015 , sem prejuízo da adoção
de critérios adicionais previstos em edital.
probatório
Possibilidade: - Ao candidato aprovado em vaga destinada aos deficientes
físicos garante-se que o exame da compatibilidade entre a deficiência e as
funções do cargo ocorra durante o estágio probatório. (TJSP; Apelação Cível
1002362-03.2016.8.26.0129; Relator (a): Teresa Ramos Marques; Órgão Julgador:
10ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 14ª
Vara de Fazenda Pública; Data do
Julgamento: 07/06/2019; Data de Registro: 07/06/2019)
RECURSO
DE APELAÇÃO AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM - DIREITO CONSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVO CONCURSO PÚBLICO AGENTE DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIA CLASSE
I CANDIDATO REPROVADO NA FASE DO EXAME MÉDICO PORTADOR DE PROBLEMA
FÍSICO (LESÃO NO DEDO ESQUERDO COM DÉFICIT PARA ESCREVER E PINÇAR) PRETENSÃO À
REINTEGRAÇÃO AO REFERIDO CERTAME
POSSIBILIDADE. 1. O artigo 43 do
Decreto
Federal
nº 3.298/99, regulamentou a Lei Federal nº 7.853/89, que instituiu a Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. 2. Tal
dispositivo normativo assegura ao candidato aprovado na vaga destinada aos
portadores de limitação física, o exame da compatibilidade para o desempenho
das atribuições do respectivo cargo, durante o estágio probatório, mediante a
participação de equipe multiprofissional. 3. A exclusão do certame, no caso
concreto, por força do problema experimentado pela parte autora (lesão no dedo
esquerdo, com déficit para escrever e pinçar), ofende os princípios da
razoabilidade e proporcionalidade. 4. O diagnóstico da parte autora não impede
ou dificulta o pleno desempenho das funções inerentes ao cargo pretendido,
conforme o resultado da prova pericial produzida nos autos, durante a instrução
do processo, sob o crivo do contraditório (fls. 218/228). 5. Possibilidade de
reintegração da parte autora, ao
Concurso Público, reconhecida. 6. Precedentes da jurisprudência deste E. Tribunal
de Justiça. 7.
Arbitramento dos honorários advocatícios recursais, a título
de observação, em favor da parte vencedora, com fundamento no artigo 85, §§ 3º,
4º e 11, do CPC/15. 8. Ação de procedimento comum, julgada procedente, em
Primeiro Grau de Jurisdição. 9. Sentença recorrida, ratificada. 10. Recurso de
apelação, apresentado pela parte ré, desprovido, com observação. (TJSP;
Apelação Cível 1003233-33.2017.8.26.0053; Relator (a): Francisco Bianco; Órgão
Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 13ª Vara
de Fazenda Pública;
Data do Julgamento: 17/06/2020;
Data de Registro: 17/06/2020)
Concurso
público. Município de Valinhos. Provimento de cargos de Psicólogo. Candidata
portadora de deficiência física. Inaptidão às atribuições do cargo fundamentada
em exame médico admissional. Ofensa ao Decreto 3.298/99. Exame de
compatibilidade a ocorrer durante o estágio probatório por equipe
multiprofissional. Precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça. Sentença de
procedência mantida. Recurso e reexame necessário desprovidos. (TJSP; Apelação
/ Remessa Necessária 1002703-18.2016.8.26.0650; Relator (a): Borelli Thomaz;
Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Valinhos - 1ª Vara; Data
do Julgamento: 23/10/2019; Data de Registro: 24/10/2019)
APELAÇÃO. ATO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO.
PRELIMINARES. Alegação de nulidade em razão da ausência de participação do Ministério
Público. Inocorrência. Direito de índole individual, não sendo hipótese legal
de intervenção do Ministério Público. Alegação de nulidade da sentença por
vícios no relatório e fundamentação. Inocorrência. Relatório compatível com o
caso sob exame e conclusão devidamente fundamentada. Conformidade com o art.
489 do Código de Processo Civil. MÉRITO. Escrivão de Polícia. Candidato
portador de visão monocular, aprovado dentro das vagas reservadas para
deficientes físicos (Lei 683/92). Eliminação do certame após perícia feita pelo
DPME, ao fundamento de incompatibilidade da deficiência com as atribuições do
cargo. Inadmissibilidade, no caso. A mera existência da deficiência não
significa incompatibilidade com o cargo, até porque o candidato foi aprovado dentro
da reserva de vagas. Laudo não suficientemente fundamentado, cuja conclusão,
ademais, foi infirmada pela aprovação do requerente no Curso de Formação, o que
demonstra sua aptidão. Além disso, avaliação a ser feita durante o estágio
probatório. Precedentes. Sentença de improcedência reformada. Recurso provido.
(TJSP; Apelação Cível 1007209-82.2016.8.26.0053; Relator (a): Heloísa Martins Mimessi; Órgão Julgador:
5ª Câmara de Direito Público; Foro
Central - Fazenda Pública/Acidentes - 4ª Vara de Fazenda Pública; Data do
Julgamento: 02/09/2019; Data de
Registro: 03/09/2019)
Destarte,
os documentos colacionados aos autos se
mostram suficientes à elucidação do direito invocado pela autora, sendo de
rigor a manutenção da r. sentença de procedência da ação. Por força do artigo 85,
§11 do CPC, fica a verba honorária majorada para 20%.
Por estes
fundamentos, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
Processo nº
1000651-45.2019.8.26.0197
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