Mais uma vitória! Servidora consegue licença médica por tempo superior a 150 dias para cuidar de sua filha recém-nascida portadora de condição de saúde frágil.
A
servidora passou a ocupar cargo público, mas ainda estava em estágio
probatório, quando sua filha ao nascer com apenas 25 semanas de parto prematuro
necessitou de uma série de tratamentos médicos e fisioterápico. Dessa forma, à luz dos princípios da
razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, não é razoável exigir da servidora
o retorno as suas atividades, após o prazo de 150 dias da licença prevista no
artigo 83, § 2º, da Lei nº 8.112/90.
Ao analisar, a questão o magistrado deu razão à servidora. Vejamos:
Trata-se
de agravo de instrumento interposto por servidora contra decisão
que, em sede de ação ordinária, deferiu parcialmente o pedido de concessão de
licença para tratamento de saúde por motivo de doença de sua filha
recém-nascida pelo prazo máximo de 150 dias, nos termos do artigo 83, § 2º, da
Lei nº 8.112/90, cujo termo inicial é 18/03/2018.
A
agravante aduz, em apertada síntese, que: (i) a ida aos EUA se justificou pela
imperiosa necessidade de tratamento médico e fisioterápico de sua filha,
portadora de condição de saúde deveras delicada; (ii) conforme documentação
anexa, até que complete dois anos de idade, uma viagem de avião de longa
distância, como aquela entre Nova York e São Paulo, é altamente desaconselhada;
(iii) não tem como objetivo causar lesão ao Erário; (iv) apenas quer impedir
que, diante da gravidade da situação, não lhe sejam aplicadas sanções
administrativas; (v) deve atentar-se ao disposto nos artigos 1º, III, e 226 da
Constituição Federal de 1988; (vi) estão presentes os requisitos para a
concessão de efeito suspensivo à decisão agravada.
É
o relatório.
Decido.
O
artigo 300, caput, do Código de Processo Civil de 2015 estabelece, in verbis:
“Art.
300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem
a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do
processo”.
Disso
resulta não ser necessária a demonstração inequívoca do direito alegado, na
medida em que o texto legal se refere expressamente a probabilidade do direito
invocado e situação emergencial.
Na
verdade, conforme a nova sistemática do Código de Processo Civil, não se
pretende distinguir, como o fazia a lei anterior, tutela cautelar de tutela
satisfativa. Dessa maneira, para ambos os casos se exige demonstração dos
requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Ademais, entende-se que,
quanto mais emergencial for determinada situação – periculum in mora
notadamente destacado –, mais exígua deverá ser a demonstração do fumus boni
iuris. Do contrário, arrisca-se a tornar inútil qualquer exercício da tutela
jurisdicional.
Indiscutivelmente
se verifica que a hipótese destes autos é excepcionalíssima. Prima facie, estes
são até agora os fatos narrados: (i) a agravante passou a ocupar cargo público
no IFSP, mas ainda não adquirira estabilidade; (ii) ficou grávida e seu marido
foi transferido para Nova York para trabalhar; (iii) ela passou por graves
problemas de saúde durante sua gestação, sobretudo depressão, pressão alta e
quadro de pré-diabetes;
(iv)
em viagem aos EUA, foi informada, em consulta médica, da gravidade da situação;
(v) antes de que pudesse retornar ao Brasil, entrou em trabalho de parto
prematuramente, vindo sua filha a nascer com apenas 25 semanas; (vi) o parto
prematuro resultou em uma série de doenças em sua filha, que passou a exigir
tratamento médico e fisioterápico constantemente; (vii) os profissionais que a
acompanham alegaram que sua filha necessitaria desse acompanhamento por dois
anos, de modo que não poderia retornar ao Brasil.
A
magistrada inicial agiu com correção, ao registrar que a licença prevista no
artigo 83, § 2º, da Lei nº 8.112/90 não pode ser concedida, em princípio, por
período indeterminado. Assim, os 150 dias contados a partir de 18/03/2018
tiveram como termo final a data de 18/08/2018.
Assim,
findo esse prazo, a conclusão lógica seria, inevitavelmente, o dever de a
agravante retornar ao Brasil para o regular exercício de suas funções, até que
houvesse ulterior deliberação por parte do agravado acerca da concessão de novo
período de licença, bem como da perícia oficial, em respeito ao princípio da
legalidade estrita.
Como
consta da primeira decisão que antecipou a tutela recursal (ID 8280089), o IFSP
ficou impedido de adotar qualquer medida de natureza disciplinar contra a
agravante. Mas a decisão que acolheu os embargos de declaração opostos pelo
IFSP (ID 9583837) implicitamente revogou a abstenção do exercício do poder
administrativo disciplinar, ao determinar o retorno dela com o fim do lapso de
150 dias.
Ocorre
que as particularidades do caso concreto devem ser levadas em consideração,
à luz dos princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, no que
concerne às consequências jurídicas disciplinares relativas ao não retorno da
agravante ao Brasil.
Nesse
sentido, em cognição sumária, entendo que, diante da excepcionalidade do caso
em testilha, malgrado a limitação temporal da licença conforme consta da
decisão agravada, não pode a Administração Pública exercer seu poder
disciplinar em face da agravante. Para ilustrar, a hipótese do artigo 140 da
Lei nº 8.112/90, relativa ao abandono de cargo, exige a comprovação do animus
específico do servidor público em abandonar seu cargo, o que, prima facie, não
é o caso aqui analisado - ela ainda não retornou ao Brasil por motivos alheios
à sua vontade e por força da fragilidade do estado de saúde de sua filha e da
necessidade de tratamento médico e fisioterápico até que esta complete dois
anos de idade.
Nesse
sentido:
“EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. DEMISSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ABANDONO DE
EMPREGO. AUSÊNCIA DO ANIMUS ABANDONANDI. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. EFEITOS
PATRIMONIAIS. RETROAÇÃO. SÚMULAS 269 E 271/STF.
INAPLICABILIDADE.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. 1. O ato disciplinar é vinculado, deixando a
lei pequenas margens de discricionariedade à Administração, que não pode
demitir ou aplicar quaisquer penalidades contrárias à lei, ou em
desconformidade com suas disposições. 2. O art. 140 da Lei 8.112/90 dispõe
sobre a necessidade de indicação precisa do período de ausência intencional do
servidor ao serviço superior a trinta dias. 3. Tendo sido o Impetrante demitido
em plena vigência de licença para tratamento de saúde, não há como se
considerar presente o animus abandonandi, elemento subjetivo componente da
infração "abandono de cargo". 4. A 3ª Seção do Superior Tribunal de
Justiça firmou já entendimento no sentido de que "em se tratando de ato
demissionário consistente no abandono de emprego ou inassiduidade ao trabalho,
impõe-se averiguar o animus específico do servidor, a fim de avaliar o seu grau
de desídia." (cf. MS nº 6.952/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, in DJ
2/10/2000). 5. Em se tratando de reintegração de servidor público, ainda que
contratado temporariamente, os efeitos patrimoniais devem ser contados da data
do ato impugnado. Inteligência do art. 28 da Lei 8.112/90. Precedente da 3ª
Seção. 6.
Consoante
jurisprudência que se firmou no âmbito da Terceira Seção do STJ, os enunciados
das Súmulas 269/STF e 271/STF devem ser interpretados com temperamentos. No
atual estágio em que se encontra o Direito Processual Civil, seria um evidente
retrocesso, que violaria os princípios da celeridade e da economia processual,
remeter às vias ordinárias o servidor público ao qual foi concedida a
segurança, tão-somente para executar parcelas relativas a um curto período de
tempo e decorrentes do próprio vínculo funcional. 7. Embargos de declaração
acolhidos para sanar omissão. ..EMEN: (EDMS - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO
DE SEGURANÇA - 11955 2006.01.24643-0, JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO
TJ/MG), STJ - TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:02/02/2009
..DTPB:.)”.
(Grifo nosso)
MANDADO
DE SEGURANÇA - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO - CERCEAMENTO DE
DEFESA - INOCORRÊNCIA - ABANDONO DE EMPREGO. AUSÊNCIA DO
ANIMUS
ABANDONANDI - PRECEDENTES - ORDEM CONCEDIDA. O ato disciplinar é vinculado,
deixando a lei pequenas margens de discricionariedade à Administração, que não
pode demitir ou aplicar quaisquer penalidades contrárias à lei, ou em
desconformidade com suas disposições. O art. 140 da Lei 8.112/90, dispõe sobre
a necessidade de indicação precisa do período de ausência intencional do
servidor ao serviço superior a trinta dias. Tendo sido o Impetrante demitido em
plena vigência de licença para tratamento de saúde, não há como se considerar
presente o animus abandonandi, elemento subjetivo componente da infração
"abandono de cargo". A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça
firmou já entendimento no sentido de que "em se tratando de ato
demissionário consistente no abandono de emprego ou inassiduidade ao trabalho,
impõe-se averiguar o animus específico do servidor, a fim de avaliar o seu grau
de desídia. (cf. MS nº 6.952/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, in DJ
2/10/2000). Ordem concedida.
..EMEN:
(MS - MANDADO DE SEGURANÇA - 11955 2006.01.24643-0, PAULO MEDINA, STJ -
TERCEIRA SEÇÃO, DJ DATA:02/04/2007 PG:00229 ..DTPB:.)”.
Por
conseguinte, verifico estarem presentes os requisitos do artigo 300 do Código
de Processo Civil de 2015.
Ante
o exposto, defiro parcialmente o pedido de antecipação dos efeitos da tutela
recursal, a fim de que o IFSP não adote qualquer medida disciplinar em prejuízo
da agravante em decorrência do fim do prazo de 150 dias da licença prevista no
artigo 83, § 2º, da Lei nº 8.112/90.
Comunique-se
ao Juízo a quo.
Cumpra-se
o disposto no artigo 1.019, II, do Código de Processo Civil de 2015,
intimando-se o agravado, para que apresente contraminuta no prazo legal.
Processo:
5019439-57.2018.4.03.0000 - Tribunal Regional Federal da 3ª Região
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